quase três da manhã, só a luz do abajur da sala está acesa e a agenda está aberta na página que há o número de maria carolina anotado com tinta preta. eduardo esperança ainda não decidiu se deveria ou não telefonar para ela. a inconveniência do horário beneficia o controle do impulso, mas os pensamentos que povoam sua cabeça pedem pelo contrário. quando eduardo esperança tem um mau pressentimento, ele costuma estar certo. os cabelos grisalhos garantem. o motivo pela inquietude leva o nome de roberto.
maria carolina marcou um encontro nesta noite de sexta-feira para apresentar o rapaz, que eduardo esperança entendeu ser o novo namorado dela. o convite fez brotar nele sentimentos confusos nunca antes explorados, que se intensificaram à medida que a ocasião começou a ser materializada. primeiro, porque o encontro foi numa lanchonete no largo de santa cecília e eduardo esperança considerava que a solenidade da ocasião somada ao laço consanguíneo merecesse mais - porém, isso não vem ao caso. segundo, porque eles estão juntos faz, na realidade, sete meses. terceiro, porque eles estão se preparando para dividir um apartamento.
eduardo esperança sabe que jamais conseguirá compensar todos os anos que esteve ausente da vida de maria carolina. ele sabe que nenhum conselho compensará todas as lágrimas que ela já derramou em vão, por não ter um pai que a aconselhasse, ou a consolasse. no entanto, ele pensa que, a partir de agora, poderia fazer diferente. eduardo esperança se sentia no dever de usufruir do privilégio paternal de poder intervir na vida da filha, ao menos dessa vez.
eduardo esperança quer telefonar para maria carolina para dizer a ela, que ele não considera roberto um bom rapaz. pode ter sido o terno e gravata do escritório de advocacia, que ele disse que trabalha, que soou prepotente. pode ser por ele ser, justamente, advogado. pode ser por ele não ter puxado a cadeira para ela sentar. por como ele fala só sobre ele mesmo. por como ele olhou para a morena da mesa ao lado, enquanto maria carolina estava no banheiro. por sua voz, por vezes, deixar escapar um potencial de se tornar agressiva. pelas tirações de sarro dele contra maria carolina serem depreciativas. eduardo esperança quer que ela pense no risco que o rapaz pode ser para ela, nos cuidados que ela precisa tomar, no erro que é escolher morar com ele.
a ansiedade paralisante mantém o telefone no gancho, enquanto a angústia torna cada minuto desperdiçado, uma oportunidade a menos de poder salvar maria carolina. nesta madrugada, em que já são quase três da manhã, em que só a luz do abajur da sala está acesa, eduardo esperança ainda não decidiu se deveria ou não telefonar para maria carolina, mas ele sabe que se não o fizer, ela vai sofrer, ela vai chorar e ela terá um enorme trabalho quando tiver que desfazer a mudança. nunca tanto eduardo esperança quis poder ter a sua filha ao seu lado.