a lanchonete paulistana é indefinível. não é hamburgueria, não é bar, não é padaria e, muito menos, restaurante. é uma lanchonete, que no café da manhã repõe sua vitrine com salgados recém assados ou fritos, tem também pão francês com manteiga, pão na chapa, café preto, pingado, suco de laranja feito na hora. o almoço segue a ordem natural da tradição. segunda, virado à paulista. terça, dobradinha. quarta, feijoada. quinta, massas. sexta, peixe. sábado, feijoada de novo. mas quem quiser um comercial, pode pedir também. das três da tarde em diante, da cozinha, sairá apenas porções, lanches e muitas garrafas de cerveja.
a lanchonete também se distingue a partir de seu padrão estético. azulejos quadrados brancos na parede, balcão de mármore preto, vitrine para salgados, caixa ao redor de um expositor de vidro para balas, chocolates e cigarros, suporte suspenso para pendurar os saquinhos de rede com frutas - laranjas, limões, abacaxis e maracujás -, uma cafeteira industrial em inox, mesas de quatro lugares do lado de dentro, mesas de madeira dobráveis dispostas na calçada que compõem o perímetro do estabelecimento. os utensílios também são importantes. a travessa oval prata serve o que vem da cozinha, os pratos redondos brancos, copo americano e a cumbuca bege são cruciais.
a lanchonete é ponto de encontro da classe pobre e média baixa trabalhadora da periferia, que tem nesse espaço um ambiente para afrouxar o tecido social em meio aos bairros do centro expandido. também é dos estudantes universitários de pouco dinheiro no bolso, único nicho que se salva. e, por último, das senhoras e dos senhores de meia-idade, que hoje repetem os péssimos hábitos de suas figuras paternas, como sair de casa numa tarde de domingo para comprar cigarro e voltar de noite com bafo de cachaça. melhores tipos de gente. promotores dos debates imprevistos mais necessários.
a lanchonete tem um enorme valor cultural para a vida urbana de são paulo. tenho certeza que um dia a opinião pública perceberá isso, mas esse dia não é hoje, e também não será amanhã. no entanto, quando esse dia chegar, espero que o poder público também perceba e reconheça as lanchonetes como patrimônio cultural da cidade e, quem sabe, crie um circuito com as mais tradicionais, tombe os seus cardápios e suas fachadas. no fim, o que penso aqui é em criar nostalgia, em criar a história do presente.