o ausente tato social de eduardo esperança gerou um inóspito convite à maria carolina, para tratar de um assunto que ele precisava conversar com ela, sem entrar em mais nenhum detalhe. contexto este que culminou na chegada dela no local combinado, uma imundo lanchonete à sombra do minhocão, quase 20 minutos antes do horário marcado. as recaídas surgem em momento assim e o maço de cigarro estava R$9,90, mas ela comprou um pacote de chicletes no balcão.
"desculpa por te chamar para vir aqui", eduardo esperança se justificou, quando enfim apareceu. ele continou: "o dinheiro está muito curto, minha filha".
"é sobre dinheiro, que você quer conversar?".
"não, não precisa se preocupar com nada disso", eduardo esperança olha para o chão.
o garçom interrompe os dois perguntando se eduardo esperança gostaria de pedir algo, mas o cliente nega.
"é um outro assunto que eu queria tratar".
maria carolina coloca outro chiclete na boca.
"desde que josefina foi embora, tenho tido dificuldades em transpor meus esboços em telas. as cores andam desbotadas, os objetos distorcidos e, principalmente, as mulheres inautênticas". eduardo esperança espera alguma reação de maria carolina, mas não encontra nenhuma: "as mulheres não possuem expressão, elas parecem não ter sentimentos ou estão presas em pensamentos que às paralisam. às vezes sou que perco o sono pensando nelas".
enfim, eduardo esperança relaxa os ombros.
"quando eu tinha josefina para posar para mim, tudo ficava mais fácil".
a expressão de maria carolina é de desconfiança.
"olha, eu trouxe uns esboços para você ver. todas as poses são simples e preciso só de duas horas suas para cada quadro".
eduardo esperança tira do bolso interno quatros folhas sulfite dobradas, cada uma rabiscada em grafite, lápis de cor e giz de cera, e entrega para maria carolina, que recusa.
"eu não me sinto a vontade para fazer isso".
"é que a gente ainda está criando intimidade, mas seu pai não tem muito dinheiro e esses quadros ajudam a completar a renda". após uma pausa, eduardo esperança completa: "ultimamente não tenho conseguido vender nenhum".
"quanto você precisa?".
"não, não vou te fazer me emprestar dinheiro".
"eu não estou emprestando, eu quero ajudar".
"eu quero é trabalhar, eu preciso".
"não sei".
maria carolina pega as folhas sulfite e analisa os desenhos de eduardo esperança com desconfiança, enquanto ele tenta prever os sentimentos dela, a partir da mudança das expressões em seu rosto.
"essa aqui".
o desenho escolhido exigiria de maria carolina apenas ficar sentada numa cadeira, olhando para uma janela.
"muito obrigado, minha filha", eduardo esperança se levantou da mesa, dando um beijo na testa de maria carolina. ela, por sua vez, estranhou aquela reação, assim como a alcunha de filha, que brotou como uma artificial novidade na relação dos dois naquela noite.
a ansiedade dissipada ao descobrir a real motivação por trás do convite de eduardo esperança permitiu que a fome de jantar emergisse. dessa forma, maria carolina sugeriu que eles pedissem algo para comer. de forma que, quando a fome também dissipou, ela se sentiu com energia suficiente para dar espaço à sua inocente sinceridade.
"eu pensei que você tinha alguma outra coisa mais séria a falar comigo".
"como o que?"
"não sei, você passou tanto tempo distante".
maria carolina desvia o olhar para o ventilador de parede em busca de uma justificativa, mas insiste no desconhecimento.
"não sei".
eduardo esperança não se atreve a realizar nenhum movimento brusco.
"tem alguma outra coisa que você gostaria de falar?", maria carolina se alivia por enfim ter encontrado uma solução.
"você sabe que eu não gostei do roberto, certo?", responde eduardo esperança de bate-pronto.
"por que?", ela pergunta com surpresa.
"você deveria tomar cuidado com ele, ele me parece uma tipo pessoa que
"não era muito sobre isso que eu imaginei quando pergunte
"mas é o que eu sinto que precisava dizer".