"eu quero um massacre, rosângela".
rosângela odeia encontrar tenório. ele corrompe todos os princípios de discrição que ela exige e mantém em seu empreendimento. no entanto, o cliente tem sempre razão. a exorbitante barriga estufada de tenório tornava quase que irremediável que, das quatro opções de pontos de encontro disponibilizados pela a agência, o restaurante italiano do largo do arouche fosse o ponto favorito dele para as reuniões de negócios entre os dois. tenório mastigava de boca aberta o espaguete e o cuidado que ele toma com os respingos de molho vermelho é o mesmo que ele toma com as migalhas de pó branco ao redor de sua narina. no entanto, o cliente tem sempre razão e tenório é um dos mais recorrentes.
ou costumava ser.
"a agência acabou, tenório. essa foi a minha decisão final. aceitei te encontrar pela consideração de anos".
rosângela havia aceitado a condição imposta por tereza para as duas poderem construir a vida que queriam juntas. o carrasco também havia sido comunicado da decisão e, conforme a estabelecida parceria de confiança entre os dois, aceitou a novidade desaparecendo.
"eu estou entediado. o futebol não tem graça, a minha esposa é uma draga, e nessa cidade só tem puta interesseira. fora que os últimos videozinhos que vocês fizeram não me atiçaram nada".
"você não está me entendendo".
a comunicação de tenório também se dá pela gesticulação agressiva com as mãos, que não se desprendem do garfo e da colher. sua voz naturalmente grave e barulhenta ecoa pelo salão, que, como sempre, está esvaziado, senão pela presença de dois garçons. rosângela se mantém vigilante para conferir se eles demonstram algum nível de interesse na conversa".
"você que não está me entendendo, essa é a oportunidade de uma vida, rosângela".
"não estou mais no mercado".
"é um massacre, algo que nunca foi feito antes. eu estou disposto a pagar caro por isso".
"a resposta é não".
"não?".
"não".
tenório então se silencia. em seguida, ele leva a taça de vinho tinto até a boca para um gole sedento, deixando uma gota escorrendo pela bochecha. ele a limpa com a manga da camisa. tenório afasta o seu prato e coloca sobre a mesa a maleta preta que ele trouxe. uma maleta tal qual inúmeras outras que rosângela já havia visto seus clientes, homens de negócios, carregando. tenório abre e a vira para que rosângela possa ver o seu conteúdo.
"você está maluco? guarda isso", responde rosângela de imediato gritando, mas ao mesmo tempo sussurrando. ela fecha a maleta e a coloca de volta no chão, como estava antes.
"aqui tem 10 milhões de reais, um milhão por cabeça".
o valor do projeto mais caro que rosângela e carrasco assumiram através da agência não chegava nem de perto desta proposta de tenório. e um rápido cálculo mental abalou rosângela. contudo, ela optou por se manter fixa na promessa que firmou com tereza.
"minha resposta ainda é não".
"quanto mais gente melhor. estou disposto a pagar um milhão a mais por cada cabeça adicional que vocês conseguirem".
"não, eu não vou aceitar isso".
"ah, você vai", tenório eleva um pouco o seu tom.
"não vou".
"vai sim e sabe o por quê? porque se até o dia de nossa senhora eu não tiver o meu vídeo pronto, no dia seguinte terá um policial na porta da sua casa para te carregar de volta para o lixo que você saiu".
rosângela aceita o seu destino em silêncio.
"outro ponto, eu quero 10 pessoas, mas eu não quero nenhum dos cracudos que vocês costumam pegar. eu quero gente de verdade, gente decente, gente de valor, como eu e não como você".
rosângela escuta em silêncio.
"você sabe qual o perfil que eu quero, não é?"
"sim".
"que bom. eu estou pagando caro por isso".
tenório se levanta para ir embora, levando consigo a maleta. mas antes ele tira do bolso um santinho da nossa senhora.
"para você não esquecer".